Lucy Mary R. Kuntz
Antes
de tratar especificamente do assunto indisciplina, torna-se fundamental
contextualizar o conceito de disciplina. De acordo com o dicionário Globo
(1991), disciplina é um
conjunto de
prescrições ou regras destinadas a manter a boa ordem em qualquer organização;
obediência à autoridade; observância de normas ou preceitos; doutrina; ensino;
conjunto de conhecimentos que se professam em cada cadeira de um instituto
escolar.
No Moderno Dicionário Michaelis Língua Portuguesa indisciplina é definida como:
Ensino,
instrução e educação. Relação de
submissão de quem é ensinado, para com aquele que ensina; observância de
preceitos ou ordens escolares: Disciplina escolar Sujeição das atividades instintivas às
refletidas Observância estrita das regras e regulamentos de uma organização
civil ou estatal
Para
Aquino (1996), disciplina é o regime de ordem imposta ou de ordem livremente
consentida. Esta ordem dirige o funcionamento regular de uma organização na
medida em que os preceitos e normas estabelecidas são seguidos e respeitados.
De
forma geral, pode haver três significados para a palavra disciplina, segundo
Muuss (1967):
§ Disciplina é a soma de ordem que é
estabelecida em certo grupo;
§ Disciplina é o método pelo qual a ordem
é mantida através das medidas tomadas com o fim de estabelecer, manter e
restaurar essa ordem;
§ Disciplina também pode ser concebida
como sinônimo de punição.
A
palavra indisciplina, por sua vez, indica a falta de disciplina, decorrente de
desordem, desobediência ou rebelião. A indisciplina pode ainda ser
caracterizada como bagunça, tumulto, falta de limites, agressividade,
desrespeito às regras, mau-comportamento, etc.
De
acordo com Carita e Fernandes (1999), a indisciplina pode ser concebida como
uma obstrução a uma relação, como uma desconsideração pessoal ou como um ataque
pessoal. Neste caso, as concepções aqui se referem ao comprometimento da
relação adulto-criança ou professor-aluno.
Para
Silva (1999), a indisciplina pode ser concebida também como um comportamento de
oposição, já que pais e professores julgam como comportamento indisciplinado
aquele que resulta de certa falta de cooperação com sua autoridade.
Genericamente,
parece-nos então poder dizer que a indisciplina nos remete para a violação de
normas estabelecidas o que, em contexto escolar, impede ou dificulta o decorrer
do processo de ensino-aprendizagem. [...] Os comportamentos indisciplinados
violam as regras, prejudicam o processo de ensino-aprendizagem e as interações
na sala de aula e na escola. (SILVA, 1999, p.9,11)
A
autora contextualiza a indisciplina sob três enfoques diferentes: a psicologia,
a sociologia e a pedagogia. Numa abordagem psicológica, o indivíduo
considerado indisciplinado é o único responsável por seu comportamento. Os
comportamentalistas acreditam que quando o sujeito realiza um comportamento
indisciplinado é porque não aprendeu o correto. Para eliminar o comportamento
indesejado basta ensinar o adequado. Já os cognitivistas explicam que as
atitudes resultam do nível de desenvolvimento cognitivo e moral do indivíduo,
bem como de suas representações, expectativas e autoconceito. A psicologia
social da educação também explica a indisciplina através de análises centradas
no sujeito, compreendendo que os comportamentos resultam das interações entre
todos na sala de aula, sendo que os próprios alunos podem provocar em outros
colegas os comportamentos indisciplinados.
A
abordagem
sociológica busca “tirar” a culpa do aluno, analisando o funcionamento
das escolas, os mecanismos de controle, as relações de poder estabelecidas na
escola como um todo e na sala de aula, os processos de socialização e os
contrastes entre escola e sociedade.
Na
abordagem
pedagógica a disciplina resulta da organização do professor com sua
classe. Os primeiros dias de aula, as primeiras atividades, os primeiros
contatos precisam ser bem definidos e organizados pelo professor de forma que
se crie um ambiente favorável à aprendizagem.
Ainda
que estas correntes traduzam diferentes enfoques sobre a indisciplina, todas
elas atribuem grande valor às regras e às normas. Entretanto estas abordagens
não podem cair no reducionismo, tornando ingênua e simplória a visão sobre
indisciplina.
Existe o reducionismo
psicológico que, ao fazer abstração de características sociais, culturais e
históricas, reduz o fenômeno estudado ao jogo de mecanismos mentais isolados do
contexto em que estão. Porém, há também o reducionismo sociológico, que
consiste em atribuir a causas gerais todo comportamento humano, desprezando
variáveis psicológicas. (LA
TAILLE in AQUINO, 1996, p.9-10).
Apesar
de se ter claro, de forma geral, o que é a indisciplina, é difícil definir, com
exatidão, o que é um comportamento indisciplinado. Geralmente, os professores
vêem a indisciplina como qualquer ato que signifique ataque a sua autoridade ou
a sua pessoa de modo particular. No entanto, os comportamentos indisciplinados
podem ser concebidos de formas diferentes entre professores ou outros adultos
(pais, avós, etc). As atitudes de um aluno podem ser tomadas como
indisciplinares por um professor e por outro não, ou seja, o significado que se
atribui ao comportamento do aluno num determinado momento é que irá influenciar
a concepção sobre o mesmo.
O comportamento não é
indisciplinado em si. É considerado como indisciplinado ou não, conforme o
contexto em que ocorre, bem como as perspectivas de quem o observa e de quem o
adota. Fará assim sentido dizer que um comportamento, num mesmo contexto, visto
por pessoas diferentes, é entendido de forma diversa, tanto no seu grau de
gravidade, como na sua adequação à situação. (MAGALHÃES apud SILVA, 1999, p.11)
Portanto,
a forma de conceber um comportamento como indisciplinado pode tomar diversas
conotações, assim como podem ser diferentes as atitudes que se toma diante de
um desses comportamentos.
Independentemente
da forma como o comportamento indisciplinado pode ser concebido, é preciso que
se discuta que fatores têm ocasionado a falta de disciplina e o que pode, em
especial, ser feito para que se consolide comportamentos favoráveis ao processo
ensino-aprendizagem.
1.2. Indisciplina: em busca
de um por quê
Podem
ser inúmeros os fatores que levam um indivíduo a adquirir comportamentos
inadequados, o que dificulta tomadas de atitudes diante de cada situação de
indisciplina. Apesar deste desafio, é fundamental reconhecer o que pode causar
um comportamento indisciplinado para que se saiba como corrigi-lo.
A origem dos
comportamentos indisciplinados pode estar em diversos fatores: uns mais
diretamente ligados a questões relacionadas com o professor e a gestão que este
faz da aula, outros mais centrados no aluno, ou, ainda mais, alheios a estes
atores do contexto escolar. (SILVA, 1999, p.15)
Segundo
Silva (1999) no contexto escolar, pode-se observar se há comunicação entre
professor-aluno quanto a regras, como o professor organiza a aula, tanto no que
diz respeito às regras quanto no que se refere a sua metodologia, como o
professor estimula seus alunos, etc. O elevado número de alunos por turma, o
espaço físico inadequado da escola, a desqualificação docente, a repetência, a
falta de materiais didáticos, e outros elementos precisam ser considerados como
fatores que podem resultar em indisciplina.
Além
disso, a proposta pedagógica da escola tem estado cada vez mais distante das
exigências do mercado de trabalho, o que faz com que os alunos percam o
interesse por ela e criem situações de indisciplina.
Em
função também do nível sócio-cultural, os alunos podem comportar-se de forma
inadequada no conceito de seus professores. Isto significa que muitas vezes um
professor pode julgar certo comportamento como indisciplinado enquanto que este
reflete apenas um jeito de agir desproporcional ao padrão de comportamento
definido pela escola.
A escola, com a
preocupação de contribuir para a igualdade de oportunidades, impõe valores e
objetivos padronizados, eventualmente rejeitados pelos alunos de estratos
sociais inferiores. Neste sentido, parece ser a própria escola a criar
condições para o aparecimento de comportamentos indisciplinados. (SILVA, 1999,
p.16.)
De
forma especial, deve-se observar o histórico escolar do aluno tido como
indisciplinado, pois o insucesso na escola, por repetência ou notas baixas,
pode ser a causa de seu desinteresse, o que o leva a faltar na escola, a evitar
fazer tarefas, a não cumprir com as atividades propostas pelo professor, dentre
outras situações.
Para
Xavier (2002), a estrutura organizacional da escola pode ser a grande causa da
inadaptação (indisciplina) de certos alunos. O espaço físico da escola e da
sala de aula, a distribuição do tempo para as atividades pedagógicas, a gestão
da escola, o currículo, os critérios de avaliação, o espaço dedicado à
participação dos alunos, etc. precisam ser analisados quando se busca
compreender por que há alunos que se comportam inadequadamente. Dessa forma, a
indisciplina escolar pode ser o reflexo da inadequação do trabalho pedagógico
ou à inadequação do espaço físico
O descompasso entre o
grau de exigências e as características desses estudantes, o nível de
conhecimento requerido pela tarefa, o significado do trabalho proposto para
determinado grupo, entre outros aspectos, parecia ser a causa mais freqüente de
desmobilização para o trabalho e o desencadeador de condutas de resistência que
se manifestavam nas conversas paralelas, na agitação e mesmo em agressões
verbais e físicas. (XAVIER, 2002, p.34)
A
organização do espaço, a variação dos materiais didáticos, a fragmentação do
tempo, a interação professor-aluno, tornam-se menos flexível a cada série
escolar. Enquanto na Educação Infantil, por exemplo, as carteiras ficam
dispostas em grupos, na quarta série do Ensino Fundamental elas dispõem-se uma
atrás da outra. Isso também evidencia o que ocorre com as ações e materiais
pedagógicos.
Ou seja, à medida que
a escolarização avança, o uso de recursos pedagógicos fica reduzido,
basicamente, ao quadro-de-giz, livro didático, caderno e folha mimeografada
(quando existente). O questionário, as cópias – muitas cópias – e exercícios de
fixação são as propostas mais freqüentes nos níveis mais adiantados. As
perguntas e respostas dos professores são, cada vez mais, restritas às
proposições do livro-texto, parecendo ter a real finalidade de manter os
estudantes ocupados até tocar o sinal para iniciar o próximo período. (XAVIER,
2002, p.34).
Além
disso, a escola faz com que o aluno deixe, ao entrar no cenário escolar, seus
saberes, desejos e curiosidades. O cotidiano, tanto do aluno quanto do
professor, deixam de ser considerados. Neste sentido, o processo de
ensino-aprendizagem acaba se restringindo à mera transmissão de conteúdos, o
que incide, não raras vezes, em desinteresse por parte do aluno.
Até
aqui, os fatores causadores de comportamentos indisciplinados referem-se,
sobretudo, à esfera pedagógica, principalmente quanto à forma que o professor
organiza a aula. Porém, não se pode negar que há comportamentos indisciplinados
que resultam de distúrbios próprios ao indivíduo do processo
ensino-aprendizagem.
Içami
Tiba, em seu livro Disciplina, Limite na Medida Certa (1996), esclarece que a
falta de autoridade dos pais e/ou dos professores têm resultado em problemas
sérios de indisciplina. Há vários distúrbios que podem levar um indivíduo a
comportar-se inadequadamente.
§ Distúrbios Psiquiátricos:
indivíduos que apresentam algum quadro de psicose podem ter comportamentos
inadequados em função dos estímulos que recebem de sua patologia. Quando o
indivíduo tem seu comportamento alterado porque fugiu ao seu controle, fica
evidente que pode haver algum distúrbio de comportamento e não apenas
comportamentos indisciplinados. Neste caso, é preciso que se faça um tratamento
psiquiátrico.
§ Distúrbios Neurológicos:
indivíduos que apresentam qualquer disfunção neurológica, como a hiperatividade
podem comportar-se de forma inadequada em função de sua agitação, pressa,
agressividade ou ansiedade. Ao perceber a freqüência desses comportamentos que
ocorrem em todos os lugares (e não apenas na sala de aula) precisam se
encaminhados a um profissional para que possam ser devidamente diagnosticado e
recebam tratamento neurológico para que possam controlar esses distúrbios.
§ Deficiência Mental:
portadores de deficiência mental geralmente têm dificuldades em compreender
regras, suportar frustrações, controlar sua agressividade e impulsividade. São
indivíduos que precisam de atendimento
especializado e de acordo com o grau de sua deficiência.
§ Distúrbios de Personalidade:
indivíduos que não respeitam as pessoas, não respeitam regras sociais,
prejudicam os outros para saciarem seus desejos. Comportamentos como mentira e roubos são alguns dos traços característicos
de indivíduos que sofrem desse distúrbio.
Para assegurar-se deste diagnóstico é preciso encaminhar a psicólogos, embora a
psicoterapia seja pouco eficiente para corrigir este distúrbio.
§ Distúrbios Neuróticos:
indivíduos com distúrbios neuróticos são aqueles que projetam em uma pessoa
problemas vivenciados em seu mundo interno. Um exemplo claro disto é quando um
aluno responde mal ao professor como se estivesse respondendo ao pai,
certamente por ter algum problema com este. Muitos alunos transferem para seu
professor sentimentos que têm pelos pais.
§ Onipotência Juvenil:
indivíduos que acreditam que o risco não existe dão pouco valor às regras.
Geralmente têm pouca tolerância a frustrações, são ousados, arrogantes,
impulsivos e não respeitam a alimentação, desafiam o sono e não aceitam
opiniões. Esta fase termina com o amadurecimento psicológico.
§ Desmandos dos Professores: há
professores que abusam de sua autoridade, outros acham que sempre têm razão,
outros ainda não administram bem sua aula, e há tantos outros que deixam algo a
desejar. Em geral, professores que usam de sua autoridade para obterem uma
compensação pessoal provocam efeitos nocivos ao comportamento de seus alunos.
Além
destes motivos que provocam comportamentos inadequados, Içami Tiba (1996) também
cita os problemas decorrentes da puberdade, como o próprio conflito interno
vivido nesta fase.
Como
podemos perceber estes distúrbios que provocam comportamentos indisciplinados
estão relacionados não apenas a um, mas a vários fatores que fazem parte da
vida do indivíduo.
REFERENCIAL
BIBLIOGRÁFICO
AQUINO, R. Groppa. A desordem na relação professor-aluno:
indisciplina , moralidade e conhecimento. IN: AQUINO, Julio Groppa (org.).
Dicionário Brasileiro
Globo.
CARITA, A.; FERNANDES, G. Indisciplina
na sala de aula: Como prevenir? Como remediar?
Lisboa: Presença, 1997.
Moderno Dicionário Michaelis
Língua Portuguesa
MUUSS, Rolf E. Problemas de disciplina : soluções de emergência. Rio de Janeiro : Ao Livro Técnico, 1967
SILVA, Maria
Laura Fernandes Título: Indisciplina
na aula : um problema dos nossos dias. Publicação: Porto
: Asa,
1999
TIBA, I. Disciplina, Limite na Medida Certa.
38ª Ed. São Paulo: Gente 1996.
XAVIER, Alexandre
Guedes Pereira. Ética, técnica e
política: a competência docente na proposta inclusiva. In: Revista
Integração. Ministério da Educação/Secretaria de Educação 2002.
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