sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Repensando a Indisciplina da criança


INDISCIPLINA: Em busca de um conceito
Lucy Mary R. Kuntz
Antes de tratar especificamente do assunto indisciplina, torna-se fundamental contextualizar o conceito de disciplina. De acordo com o dicionário Globo (1991), disciplina é um
conjunto de prescrições ou regras destinadas a manter a boa ordem em qualquer organização; obediência à autoridade; observância de normas ou preceitos; doutrina; ensino; conjunto de conhecimentos que se professam em cada cadeira de um instituto escolar.

No Moderno Dicionário Michaelis Língua Portuguesa indisciplina é definida como:

Ensino, instrução e educação.  Relação de submissão de quem é ensinado, para com aquele que ensina; observância de preceitos ou ordens escolares: Disciplina escolar  Sujeição das atividades instintivas às refletidas Observância estrita das regras e regulamentos de uma organização civil ou estatal


Para Aquino (1996), disciplina é o regime de ordem imposta ou de ordem livremente consentida. Esta ordem dirige o funcionamento regular de uma organização na medida em que os preceitos e normas estabelecidas são seguidos e respeitados.
De forma geral, pode haver três significados para a palavra disciplina, segundo Muuss (1967):
§  Disciplina é a soma de ordem que é estabelecida em certo grupo;
§  Disciplina é o método pelo qual a ordem é mantida através das medidas tomadas com o fim de estabelecer, manter e restaurar essa ordem;
§  Disciplina também pode ser concebida como sinônimo de punição.
A palavra indisciplina, por sua vez, indica a falta de disciplina, decorrente de desordem, desobediência ou rebelião. A indisciplina pode ainda ser caracterizada como bagunça, tumulto, falta de limites, agressividade, desrespeito às regras, mau-comportamento, etc.
De acordo com Carita e Fernandes (1999), a indisciplina pode ser concebida como uma obstrução a uma relação, como uma desconsideração pessoal ou como um ataque pessoal. Neste caso, as concepções aqui se referem ao comprometimento da relação adulto-criança ou professor-aluno.
Para Silva (1999), a indisciplina pode ser concebida também como um comportamento de oposição, já que pais e professores julgam como comportamento indisciplinado aquele que resulta de certa falta de cooperação com sua autoridade.
Genericamente, parece-nos então poder dizer que a indisciplina nos remete para a violação de normas estabelecidas o que, em contexto escolar, impede ou dificulta o decorrer do processo de ensino-aprendizagem. [...] Os comportamentos indisciplinados violam as regras, prejudicam o processo de ensino-aprendizagem e as interações na sala de aula e na escola. (SILVA, 1999, p.9,11)

A autora contextualiza a indisciplina sob três enfoques diferentes: a psicologia, a sociologia e a pedagogia. Numa abordagem psicológica, o indivíduo considerado indisciplinado é o único responsável por seu comportamento. Os comportamentalistas acreditam que quando o sujeito realiza um comportamento indisciplinado é porque não aprendeu o correto. Para eliminar o comportamento indesejado basta ensinar o adequado. Já os cognitivistas explicam que as atitudes resultam do nível de desenvolvimento cognitivo e moral do indivíduo, bem como de suas representações, expectativas e autoconceito. A psicologia social da educação também explica a indisciplina através de análises centradas no sujeito, compreendendo que os comportamentos resultam das interações entre todos na sala de aula, sendo que os próprios alunos podem provocar em outros colegas os comportamentos indisciplinados.
A abordagem sociológica busca “tirar” a culpa do aluno, analisando o funcionamento das escolas, os mecanismos de controle, as relações de poder estabelecidas na escola como um todo e na sala de aula, os processos de socialização e os contrastes entre escola e sociedade.
Na abordagem pedagógica a disciplina resulta da organização do professor com sua classe. Os primeiros dias de aula, as primeiras atividades, os primeiros contatos precisam ser bem definidos e organizados pelo professor de forma que se crie um ambiente favorável à aprendizagem.
Ainda que estas correntes traduzam diferentes enfoques sobre a indisciplina, todas elas atribuem grande valor às regras e às normas. Entretanto estas abordagens não podem cair no reducionismo, tornando ingênua e simplória a visão sobre indisciplina.
Existe o reducionismo psicológico que, ao fazer abstração de características sociais, culturais e históricas, reduz o fenômeno estudado ao jogo de mecanismos mentais isolados do contexto em que estão. Porém, há também o reducionismo sociológico, que consiste em atribuir a causas gerais todo comportamento humano, desprezando variáveis psicológicas. (LA TAILLE in AQUINO, 1996, p.9-10).

Apesar de se ter claro, de forma geral, o que é a indisciplina, é difícil definir, com exatidão, o que é um comportamento indisciplinado. Geralmente, os professores vêem a indisciplina como qualquer ato que signifique ataque a sua autoridade ou a sua pessoa de modo particular. No entanto, os comportamentos indisciplinados podem ser concebidos de formas diferentes entre professores ou outros adultos (pais, avós, etc). As atitudes de um aluno podem ser tomadas como indisciplinares por um professor e por outro não, ou seja, o significado que se atribui ao comportamento do aluno num determinado momento é que irá influenciar a concepção sobre o mesmo.
O comportamento não é indisciplinado em si. É considerado como indisciplinado ou não, conforme o contexto em que ocorre, bem como as perspectivas de quem o observa e de quem o adota. Fará assim sentido dizer que um comportamento, num mesmo contexto, visto por pessoas diferentes, é entendido de forma diversa, tanto no seu grau de gravidade, como na sua adequação à situação. (MAGALHÃES apud SILVA, 1999, p.11)

Portanto, a forma de conceber um comportamento como indisciplinado pode tomar diversas conotações, assim como podem ser diferentes as atitudes que se toma diante de um desses comportamentos.
Independentemente da forma como o comportamento indisciplinado pode ser concebido, é preciso que se discuta que fatores têm ocasionado a falta de disciplina e o que pode, em especial, ser feito para que se consolide comportamentos favoráveis ao processo ensino-aprendizagem.

1.2. Indisciplina: em busca de um por quê

Podem ser inúmeros os fatores que levam um indivíduo a adquirir comportamentos inadequados, o que dificulta tomadas de atitudes diante de cada situação de indisciplina. Apesar deste desafio, é fundamental reconhecer o que pode causar um comportamento indisciplinado para que se saiba como corrigi-lo.
A origem dos comportamentos indisciplinados pode estar em diversos fatores: uns mais diretamente ligados a questões relacionadas com o professor e a gestão que este faz da aula, outros mais centrados no aluno, ou, ainda mais, alheios a estes atores do contexto escolar. (SILVA, 1999, p.15)

Segundo Silva (1999) no contexto escolar, pode-se observar se há comunicação entre professor-aluno quanto a regras, como o professor organiza a aula, tanto no que diz respeito às regras quanto no que se refere a sua metodologia, como o professor estimula seus alunos, etc. O elevado número de alunos por turma, o espaço físico inadequado da escola, a desqualificação docente, a repetência, a falta de materiais didáticos, e outros elementos precisam ser considerados como fatores que podem resultar em indisciplina.
Além disso, a proposta pedagógica da escola tem estado cada vez mais distante das exigências do mercado de trabalho, o que faz com que os alunos percam o interesse por ela e criem situações de indisciplina.
Em função também do nível sócio-cultural, os alunos podem comportar-se de forma inadequada no conceito de seus professores. Isto significa que muitas vezes um professor pode julgar certo comportamento como indisciplinado enquanto que este reflete apenas um jeito de agir desproporcional ao padrão de comportamento definido pela escola.
A escola, com a preocupação de contribuir para a igualdade de oportunidades, impõe valores e objetivos padronizados, eventualmente rejeitados pelos alunos de estratos sociais inferiores. Neste sentido, parece ser a própria escola a criar condições para o aparecimento de comportamentos indisciplinados. (SILVA, 1999, p.16.)

De forma especial, deve-se observar o histórico escolar do aluno tido como indisciplinado, pois o insucesso na escola, por repetência ou notas baixas, pode ser a causa de seu desinteresse, o que o leva a faltar na escola, a evitar fazer tarefas, a não cumprir com as atividades propostas pelo professor, dentre outras situações.
Para Xavier (2002), a estrutura organizacional da escola pode ser a grande causa da inadaptação (indisciplina) de certos alunos. O espaço físico da escola e da sala de aula, a distribuição do tempo para as atividades pedagógicas, a gestão da escola, o currículo, os critérios de avaliação, o espaço dedicado à participação dos alunos, etc. precisam ser analisados quando se busca compreender por que há alunos que se comportam inadequadamente. Dessa forma, a indisciplina escolar pode ser o reflexo da inadequação do trabalho pedagógico ou à inadequação do espaço físico
O descompasso entre o grau de exigências e as características desses estudantes, o nível de conhecimento requerido pela tarefa, o significado do trabalho proposto para determinado grupo, entre outros aspectos, parecia ser a causa mais freqüente de desmobilização para o trabalho e o desencadeador de condutas de resistência que se manifestavam nas conversas paralelas, na agitação e mesmo em agressões verbais e físicas. (XAVIER, 2002, p.34)

A organização do espaço, a variação dos materiais didáticos, a fragmentação do tempo, a interação professor-aluno, tornam-se menos flexível a cada série escolar. Enquanto na Educação Infantil, por exemplo, as carteiras ficam dispostas em grupos, na quarta série do Ensino Fundamental elas dispõem-se uma atrás da outra. Isso também evidencia o que ocorre com as ações e materiais pedagógicos.
Ou seja, à medida que a escolarização avança, o uso de recursos pedagógicos fica reduzido, basicamente, ao quadro-de-giz, livro didático, caderno e folha mimeografada (quando existente). O questionário, as cópias – muitas cópias – e exercícios de fixação são as propostas mais freqüentes nos níveis mais adiantados. As perguntas e respostas dos professores são, cada vez mais, restritas às proposições do livro-texto, parecendo ter a real finalidade de manter os estudantes ocupados até tocar o sinal para iniciar o próximo período. (XAVIER, 2002, p.34).

Além disso, a escola faz com que o aluno deixe, ao entrar no cenário escolar, seus saberes, desejos e curiosidades. O cotidiano, tanto do aluno quanto do professor, deixam de ser considerados. Neste sentido, o processo de ensino-aprendizagem acaba se restringindo à mera transmissão de conteúdos, o que incide, não raras vezes, em desinteresse por parte do aluno.
Até aqui, os fatores causadores de comportamentos indisciplinados referem-se, sobretudo, à esfera pedagógica, principalmente quanto à forma que o professor organiza a aula. Porém, não se pode negar que há comportamentos indisciplinados que resultam de distúrbios próprios ao indivíduo do processo ensino-aprendizagem.
Içami Tiba, em seu livro Disciplina, Limite na Medida Certa (1996), esclarece que a falta de autoridade dos pais e/ou dos professores têm resultado em problemas sérios de indisciplina. Há vários distúrbios que podem levar um indivíduo a comportar-se inadequadamente.
§  Distúrbios Psiquiátricos: indivíduos que apresentam algum quadro de psicose podem ter comportamentos inadequados em função dos estímulos que recebem de sua patologia. Quando o indivíduo tem seu comportamento alterado porque fugiu ao seu controle, fica evidente que pode haver algum distúrbio de comportamento e não apenas comportamentos indisciplinados. Neste caso, é preciso que se faça um tratamento psiquiátrico.
§  Distúrbios Neurológicos: indivíduos que apresentam qualquer disfunção neurológica, como a hiperatividade podem comportar-se de forma inadequada em função de sua agitação, pressa, agressividade ou ansiedade. Ao perceber a freqüência desses comportamentos que ocorrem em todos os lugares (e não apenas na sala de aula) precisam se encaminhados a um profissional para que possam ser devidamente diagnosticado e recebam tratamento neurológico para que possam controlar esses distúrbios.
§  Deficiência Mental: portadores de deficiência mental geralmente têm dificuldades em compreender regras, suportar frustrações, controlar sua agressividade e impulsividade. São indivíduos que precisam de  atendimento especializado e de acordo com o grau de sua deficiência.
§  Distúrbios de Personalidade: indivíduos que não respeitam as pessoas, não respeitam regras sociais, prejudicam os outros para saciarem seus desejos.  Comportamentos como mentira e roubos são alguns dos traços característicos de indivíduos que sofrem desse distúrbio. Para assegurar-se deste diagnóstico é preciso encaminhar a psicólogos, embora a psicoterapia seja pouco eficiente para corrigir este distúrbio.
§  Distúrbios Neuróticos: indivíduos com distúrbios neuróticos são aqueles que projetam em uma pessoa problemas vivenciados em seu mundo interno. Um exemplo claro disto é quando um aluno responde mal ao professor como se estivesse respondendo ao pai, certamente por ter algum problema com este. Muitos alunos transferem para seu professor sentimentos que têm pelos pais.
§  Onipotência Juvenil: indivíduos que acreditam que o risco não existe dão pouco valor às regras. Geralmente têm pouca tolerância a frustrações, são ousados, arrogantes, impulsivos e não respeitam a alimentação, desafiam o sono e não aceitam opiniões. Esta fase termina com o amadurecimento psicológico.
§  Desmandos dos Professores: há professores que abusam de sua autoridade, outros acham que sempre têm razão, outros ainda não administram bem sua aula, e há tantos outros que deixam algo a desejar. Em geral, professores que usam de sua autoridade para obterem uma compensação pessoal provocam efeitos nocivos ao comportamento de seus alunos.
Além destes motivos que provocam comportamentos inadequados, Içami Tiba (1996) também cita os problemas decorrentes da puberdade, como o próprio conflito interno vivido nesta fase.
Como podemos perceber estes distúrbios que provocam comportamentos indisciplinados estão relacionados não apenas a um, mas a vários fatores que fazem parte da vida do indivíduo.

 REFERENCIAL  BIBLIOGRÁFICO

AQUINO, R. Groppa. A desordem na relação professor-aluno: indisciplina , moralidade e conhecimento. IN: AQUINO, Julio Groppa (org.).

Dicionário Brasileiro Globo.

CARITA, A.; FERNANDES, G.  Indisciplina na sala de aula: Como prevenir? Como remediar?  Lisboa: Presença, 1997.

Moderno Dicionário Michaelis Língua Portuguesa



TIBA, I. Disciplina, Limite na Medida Certa.  38ª Ed. São Paulo: Gente 1996.

XAVIER, Alexandre Guedes Pereira. Ética, técnica e política: a competência docente na proposta inclusiva. In: Revista Integração. Ministério da Educação/Secretaria de Educação 2002.

             

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